“Saulo viu-se repentinamente cercado por uma luz que vinha do céu. Caiu por terra e ouviu uma voz que lhe dizia: “Saulo, Saulo, porque me persegues?” Saulo perguntou: “Quem és Tu, Senhor?” A voz respondeu: “Eu sou Jesus a Quem tu persegues. Agora levanta-te, entra na cidade, e aí te dirão o que deves fazer”… (Act 9, 3-6)
No momento não conseguia “ver nada”; posteriormente, “recuperou” uma liberdade radical que o colocou numa doação de vida a Cristo sem condições ou interpretações pessoais. Quis viver Cristo e entregou-se para que outros iniciassem idêntica experiência.
A Quaresma é um tempo particular para entrarmos, mais intensamente, no espírito do nosso Programa Pastoral. Sugiro dois itinerários que retiro das palavras de Cristo a Saulo:
1º “Levanta-Te”
O cristianismo, para muitos, corre o risco de se tornar uma mera repetição de costumes e tradições. Urge que nos “levantemos”, com o sacrifício e o simbolismo desta atitude, a fim de criar disponibilidade interior para um encontro com a Palavra. Suscitando as condições necessárias, seremos encontrados, no mundo das opções fundamentais, por uma contínua aurora de coisas desconhecidas que nos encantarão e abrirão horizontes desconhecidos.
Deixar-se encontrar pela Palavra é algo de muito pessoal a exigir que calemos outros barulhos para começar a “ver” dum modo diferente. Com os outros poderemos dar à Voz da Palavra o volume duma compreensão maior. “Te dirão o que deves fazer”; é apelo ao encontro com outros em trabalho de reflexão e oração bíblica.
2º “Entra na cidade”
O levantar-se para fugir aos ruídos e deixar-se encontrar pela Palavra leva consigo o convite para que entremos, também, na cidade dos homens, ou seja, em todo o lugar onde vive qualquer ser humano. A Voz da Palavra ouve-se nos lamentos das pessoas e nos dramas da sociedade. Só com a Palavra de Deus conseguiremos ouvir a “voz” do Povo, dar-lhe o bálsamo para a dor e o segredo para ultrapassar as crises. A Palavra gera esperança e compromete na solidariedade activa.
Encontrados pela Palavra, descortinaremos coisas e necessidades que são supérfluas e poderemos partilhar com renúncias que mostrem a força da mesma Palavra.
Entrando nas nossas cidades e aldeias, veremos que é possível dar razões para viver aos sem abrigo, aos pobres, aos doentes terminais…
2.1 – Finalidade da Renúncia Quaresmal
A partilha, fruto da Renúncia, será, este ano, orientada para uma iniciativa:
A criação dum espaço capaz de recolher, durante todo o ano, tudo o que seja útil aos pobres (material) e que, para nós, seja desnecessário. Ao mesmo tempo, ampliaremos o refeitório Social e criaremos um local para acolhimento temporário de carenciados. A Caritas Arquidiocesana dará a estes espaços uma solicitude caritativa aberta a todos os arciprestados e comunidades paroquiais. Chamar-lhe-emos Casa Alavanca (C.A.). Como o nome sugere, pretende ajudar a erguer-se e avançar com esperança.
2.2 – Voluntariado para testemunhar Cristo Vivo
Levantar-se para se deixar encontrar pela Palavra e entrar na cidade dos homens com os seus dramas deverá orientar a caminhada Quaresmal e Pascal das nossas comunidades: a Quaresma com “abstinências” e “jejuns” do supérfluo numa vida pautada pela sobriedade; o tempo Pascal como apelo à criatividade e concretização de iniciativas que manifestem Cristo Vivo e Ressuscitado a intervir na Salvação integral de todos os homens e mulheres das nossas comunidades. Os carenciados devem ser identificados e a solidariedade terá de ser criativa. Recordo os desempregados, particularmente os envergonhados, que, com toda a certeza, será um grupo social a necessitar de atenção. A situação social pede alguma coisa dos cristãos.
Dar é importante mas dar-se é a verdadeira explicitação da Palavra de Deus. É um imperativo da vocação e missão dos cristãos. Daí que nos tempos difíceis e em época de conversão deixe, ainda, um apelo para uma renovada experiência de voluntariado ao jeito de Cristo que deu a Sua Vida. Só estruturando uma verdadeira rede de voluntariado, activo e comprometido, poderemos ser sinais de Cristo, como Paulo. Que os sacerdotes aproveitem as circunstâncias de reflexão para motivar e comprometer, aumentando e estruturando o número daqueles que já encontram ou irão encontrar tempo para dar à comunidade.
Para expressar a ideia duma solidariedade em rede, gostaria que cada comunidade tivesse um grupo que poderia chamar-se Voluntariado em Movimento (V.E.M.). Para além do grupo, promova-se uma formação específica capaz de dar ânimo e coragem para que o desânimo nunca aconteça.
Com este itinerário, o tempo Penitencial da Quaresma e a alegria do anúncio Pascal dum Cristo Ressuscitado demonstrarão que a Vida com dignidade para todos é possível, desde que queiramos percorrer o caminho de toda a mensagem cristã que o “tomar conta” da Palavra exige.
Braga, 2 de Fevereiro, Nossa Senhora da Luz, de 2009
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